terça-feira, 28 de junho de 2016

Análise textual X - Audiocenas

5- A rainha de Sabá
O distorcido reino de Salomão, com sua mistura de opulência, privilégios e exploração econômica atraia pessoas do mundo inteiro, segundo o relato bíblico. Entre elas, temos a rainha de Sabá, que vem com sua comitiva conhecer e interrogar o famoso rei " A rainha de Sabá ouviu falar da fama de Salomão e foi até Jerusalém a fim de pô-lo a prova com perguntas difíceis. Ela chegou com um grande grupo de servidores e também com camelos carregados de especiarias, pedras preciosas e uma grande quantidade de ouro ( I Reis 10:1-2)."
Pelo relato, pode-se perceber que a rainha não apenas vem trazes presentes e sim competir com Salomão, tanto em riqueza como em sabedoria. Ou seja, ela é um Salomão de outro lugar, que vem se defrontar com seu rival. Com isso, decifrar o complexo de imagens da rainha de Sabá é compreender a construção da imagem de Salomão.
A inominada rainha vem de um reino situado na península arábica. A liderança de uma mulher pode sugerir uma linhagem matrilinear. A sua caravana e o luxo em volta vincula a dimensão fabular do reino de Salomão a das histórias de mil uma noites de tradição oriental.
Como uma igual e estrangeira, a rainha passa a examinar o complexo palaciano de Salomão : "A rainha de Sabá ouviu a sabedoria de Salomão e viu o palácio que ele havia construído. Ela viu a comida que era servida na mesa dele, viu os apartamentos dos seus altos funcionários, e organização do pessoal que trabalhava no palácio e os uniformes que eles usavam. Viu os empregados que o serviam nas festas e os sacrifícios que ele oferecia no templo. Isso tudo a deixou de boca aberta e muito admirada (I Reis 10:4-5). "
Funcionando como uma câmera, ela vai mostrando para o leitor parte da dinâmica de fausto que organiza o palácio. Não se trata apenas dos signos materiais da riqueza e sim de um senso de ordem, de hierarquia. A distribuição de funções e sua realização manifestam uma centralização eficiente. O trabalho dentro do palácio, o cumprimento das tarefas registra o poder real em cada ação.  Mais do que ouvir falar, agora a rainha de Sabá é uma testemunha dos efeitos desse poder. E ela mesma é afetada, pois fica sem ar, sem falar, como que tomada pela excesso da visão que contempla. Por incrível que pareça, a fabulosa rainha de Sabá é quem vai dar credibilidade ao fantástico reino de Salomão.
Nesse sentido, recuperado seu fôlego e razão, ela de sua boca afirma: "Tudo aquilo que eu ouvi no meu país a respeito de você e da sua sabedoria é, de fato, verdade. Porém eu não pude acreditar até que vim e vi com os meus próprios olhos. Acontece que não tinham me contado nem a metade. A sua sabedoria e a sua riqueza são muito maiores do que ouvi dizer. Como são felizes as suas esposas! Que sorte têm os seus servidores, que estão sempre ao seu lado e têm o privilégio de ouvir os seus sábios provérbio! (I Reis 10:6-8)."
Refazendo o percurso, a rainha de Sabá sai de seu reino onde deveria ser o Salomão de lá para encontrar o Salomão daqui, impulsionada pela fama, por um relato sobre as riquezas e sabedorias do rei. Antecipando em imagens e sonhos em sua cabeça, ela constrói um Salomão para si e contra esse Salomão ela monta uma caravana luxuosa para impressionar, para tirar o foco de seu alvo a partir da procissão que fará em Jerusalém. A sua pompa será maior. Os presentes indicarão que ela possui muito mais que oferta. 
Então dá-se o assombro, o estranhamento. Como vimos no diálogo/barganha com Deus (I Reis 3:5-15), Salomão age surpreendendo, indo além do esperado. O mesmo com seus inimigos mortos e com o julgamento das duas mulheres. Aqui há uma moldura teatral: aquilo que se mostra busca causar uma impressão que ultrapassa as expectativas das pessoas em relação à figura de Salomão. O mundo coreografado dentro do palácio, os cenários do complexo palaciano, as ações como lances de teatro- dramáticas, repentinas, o figurino, os adereços, tudo, enfim, induz a um direcionamento da recepção.
E o efeito na rainha de Sabá é que o relato sobre Salomão não chega perto da real figura do soberano. Pois o soberano não é uma pessoa, mas a extensão de sua órbita de influência, elaborada e exibida nas ostentação, no excesso dos recursos e efeitos.
O extraordinário de Salomão não está no valor das coisas e sim no fato que as princesas estejam felizes, que os servos estejam felizes, pelo contato/contágio com Salomão.  E é essa felicidade aquilo que deixa a rainha de Sabá boquiaberta e a converte em uma nova zumbi/seguidora de Salomão. Ou mais uma amante...

Apesar desse efeito zumbi de Salomão possuir suas conotações mágicas e esotéricas, há toda uma base compreensível para entendê-lo. 

análise textual IX. A rainha de Sabá

5- A rainha de Sabá
O distorcido reino de Salomão, com sua mistura de opulência, privilégios e exploração econômica atraia pessoas do mundo inteiro, segundo o relato bíblico. Entre elas, temos a rainha de Sabá, que vem com sua comitiva conhecer e interrogar o famoso rei " A rainha de Sabá ouviu falar da fama de Salomão e foi até Jerusalém a fim de pô-lo a prova com perguntas difíceis. Ela chegou com um grande grupo de servidores e também com camelos carregados de especiarias, pedras preciosas e uma grande quantidade de ouro ( I Reis 10:1-2)."
Pelo relato, pode-se perceber que a rainha não apenas vem trazes presentes e sim competir com Salomão, tanto em riqueza como em sabedoria. Ou seja, ela é um Salomão de outro lugar, que vem se defrontar com seu rival. Com isso, decifrar o complexo de imagens da rainha de Sabá é compreender a construção da imagem de Salomão.
A inominada rainha vem de um reino situado na península arábica. A liderança de uma mulher pode sugerir uma linhagem matrilinear. A sua caravana e o luxo em volta vincula a dimensão fabular do reino de Salomão a das histórias de mil uma noites de tradição oriental.
Como uma igual e estrangeira, a rainha passa a examinar o complexo palaciano de Salomão : "A rainha de Sabá ouviu a sabedoria de Salomão e viu o palácio que ele havia construído. Ela viu a comida que era servida na mesa dele, viu os apartamentos dos seus altos funcionários, e organização do pessoal que trabalhava no palácio e os uniformes que eles usavam. Viu os empregados que o serviam nas festas e os sacrifícios que ele oferecia no templo. Isso tudo a deixou de boca aberta e muito admirada (I Reis 10:4-5). "
Funcionando como uma câmera, ela vai mostrando para o leitor parte da dinâmica de fausto que organiza o palácio. Não se trata apenas dos signos materiais da riqueza e sim de um senso de ordem, de hierarquia. A distribuição de funções e sua realização manifestam uma centralização eficiente. O trabalho dentro do palácio, o cumprimento das tarefas registra o poder real em cada ação.  Mais do que ouvir falar, agora a rainha de Sabá é uma testemunha dos efeitos desse poder. E ela mesma é afetada, pois fica sem ar, sem falar, como que tomada pela excesso da visão que contempla. Por incrível que pareça, a fabulosa rainha de Sabá é quem vai dar credibilidade ao fantástico reino de Salomão.
Nesse sentido, recuperado seu fôlego e razão, ela de sua boca afirma: "Tudo aquilo que eu ouvi no meu país a respeito de você e da sua sabedoria é, de fato, verdade. Porém eu não pude acreditar até que vim e vi com os meus próprios olhos. Acontece que não tinham me contado nem a metade. A sua sabedoria e a sua riqueza são muito maiores do que ouvi dizer. Como são felizes as suas esposas! Que sorte têm os seus servidores, que estão sempre ao seu lado e têm o privilégio de ouvir os seus sábios provérbio! (I Reis 10:6-8)."
Refazendo o percurso, a rainha de Sabá sai de seu reino onde deveria ser o Salomão de lá para encontrar o Salomão daqui, impulsionada pela fama, por um relato sobre as riquezas e sabedorias do rei. Antecipando em imagens e sonhos em sua cabeça, ela constrói um Salomão para si e contra esse Salomão ela monta uma caravana luxuosa para impressionar, para tirar o foco de seu alvo a partir da procissão que fará em Jerusalém. A sua pompa será maior. Os presentes indicarão que ela possui muito mais que oferta. 
Então dá-se o assombro, o estranhamento. Como vimos no diálogo/barganha com Deus (I Reis 3:5-15), Salomão age surpreendendo, indo além do esperado. O mesmo com seus inimigos mortos e com o julgamento das duas mulheres. Aqui há uma moldura teatral: aquilo que se mostra busca causar uma impressão que ultrapassa as expectativas das pessoas em relação à figura de Salomão. O mundo coreografado dentro do palácio, os cenários do complexo palaciano, as ações como lances de teatro- dramáticas, repentinas, o figurino, os adereços, tudo, enfim, induz a um direcionamento da recepção.
E o efeito na rainha de Sabá é que o relato sobre Salomão não chega perto da real figura do soberano. Pois o soberano não é uma pessoa, mas a extensão de sua órbita de influência, elaborada e exibida nas ostentação, no excesso dos recursos e efeitos.
O extraordinário de Salomão não está no valor das coisas e sim no fato que as princesas estejam felizes, que os servos estejam felizes, pelo contato/contágio com Salomão.  E é essa felicidade aquilo que deixa a rainha de Sabá boquiaberta e a converte em uma nova zumbi/seguidora de Salomão. Ou mais uma amante...

Apesar desse efeito zumbi de Salomão possuir suas conotações mágicas e esotéricas, há toda uma base compreensível para entendê-lo. 

análise textual VIII Salomão, o estrangeiro?

4 Salomão, o estrangeiro?
A narrativa de Salomão nos coloca diante de uma figura estranha e complexa. Primeiro, ele não está na linha de sucessão real e é colocado na frente de seu meio irmão, que acaba depois morto, junto com seus apoiadores. Assim, o jovem Salomão sobe ao trono dentro de um ambiente de conspiração e golpe.
Nesse sentido, refaz a história mesma de seu pai, usurpou o trono de outra linhagem, a de Saul, e assassinou praticamente todos os sucessores. Ora, matando a linhagem de Saul e colocando-se como rei, David inaugura uma nova linhagem, e terá apenas como candidatos ao trono seus filhos. Por isso, a revolta de Absalão inaugura esse padrão de conflito interno pelo poder, do qual a disputa entre os irmãos Salomão e Adonias.
Em seguida, Salomão alia-se a figuras tidas como inimigos, estrangeiros, como o Faraó e sua filha. Salomão segue o modelo egípcio na administração e política expansionista.  E constrói sua imagem como um figura laica, um sábio, com todas as suas conotações práticas e mesmo místicas. "Deus deu a Salomão sabedoria, entendimento fora do comum e conhecimentos tão grandes, que não podem ser medidos. Salomão era mais sábio do que qualquer homem do Oriente ou do Egito. Ele era mais sábio do que todos os homens. (...) Ele escreveu três mil provérbios e compôs mais de mil canções. Falou de árvores e plantas, desde os cedros do Líbano até o hissopo, que cresce nos muros. Ele falou também dos animais, dos pássaros, dos animais que se arrastam pelo chão e dos peixes. Reis do mundo inteiro souberam de Salomão e mandaram pessoas para ouvi-lo(I Reis 29-34)."

A excepcionalidade dessa sabedoria fundamenta-se nas posses, na quantidades de coisas que chegam ao seu palácio. O mundo inteiro vem para ouvir Salomão e lhe trazer coisas. Riqueza, cosmopolitismo e conhecimento articulam a trajetória do soberano. Sob a tutela do complexo palaciano pessoas, animais, plantas, objetos são reunidas, estocadas. O bestiário, a estufa, o harém, as estrebaria, os jardins, as coleções de taças e escudos, os acordos internacionais, entre outras referências, projetam a dimensão enciclopédica e acumulativa desse rei sem face, desse rei-mosaico, desse poder em todas as coisas e por meio delas. 

análise textual VII Ostentação e escravidão


3.2 Ostentação e escravidão
Além do complexo palaciano outros índices das riquezas de Salomão são seus cavalos. "Salomão ajuntou mil e quatrocentos carros de guerra e doze mil cavalos de cavalaria. Espalhou uma parte deles por várias cidades e deixou o resto em Jerusalém (I Reis 10: 26)[1]". Assim, as cidades se tornaram estrebarias para guardar os animais de do soberano.
Não sendo o bastante a terra, a expansão colonialista de Salomão chega às águas: "O rei Salomão também construiu uma frota de navios em Eziom-Geber, que fica perto de Elate, no golfo da Ácaba, no país de Edom. O rei Hirão mandou alguns marinheiros competentes de sua frota de navios para navegarem junto com os homens de Salomão. Eles foram até a terra de Ofir e trouxeram para Salomão mais de catorze mil quilos de ouro( I Reis 9:26-38)." Além dessa viagem para terras exóticas, os barcos de Salomão foram "até a Espanha junto com a frota de Hirão. Cada três anos a sua frota voltava trazendo ouro, prata, marfim, macacos e micos ( I Crônicas 9:21)".
Mas de onde vinham todos esses bens?
1- presentes: "O rei Salomão era mais rico e mais sábio que qualquer outro rei, e pessoas do mundo inteiro queriam ir ouvir a sabedoria que Deus lhe tinha dado. Todos aqueles que chegavam traziam um presente para ele: objetos de prata e de ouro, roupas, armas, especialmente, cavalos e mulas. E foi assim ano após ano( I Reis 10:23-25)."
2- comércio internacional: "Os agentes do rei forneciam cavalos e carros de guerra para os rei heteus e sírios, vendendo cada carro por seiscentas barras de prata e cada cavalo por cento e cinquenta barras de prata( I Reis 10:29)."
3- Tributos de seu povo; 4- Tributos das nações sob seu governo; "Todos os anos o rei Salomão recebia mais ou menos vinte e três quilos de ouro, além dos impostos pagos pelos comerciantes e vendedores. Também os rei árabes e os administradores dos vários distritos do país lhe traziam prata e ouro( II Crônicas 9:13-14)".
4- Trabalho escravo
O trabalho escravo foi a megamáquina de inspiração egípcia que forneceu a mão de obra suficiente para as grandes construções reais.  Estas obras não se restringiram ao complexo palaciano e o do templo. A reurbanização mesma de Jerusalém e das cidades tomadas à força por David e por Salomão ou destruídas pelo Faraó foram realizadas por escravos: "O Rei Salomão usou trabalhadores forçados para construir o Templo e seu próprio palácio, para aterra o lado leste da cidade e pra construir as muralhas de Jerusalém. Também usou esses trabalhadores para reconstruir as cidade Hazor, Megido e Gezer[2]. (...) Usando os trabalhadores forçados, Salomão reconstruiu Bete-Horum-de-Baixo, Baalate e Tadmor, no deserto de Judá. Anda reconstruiu as cidade onde armazenava mantimentos, as cidade onde ficavam os cavalos e carros de guerra e tudo mais que ele quer construir em Jerusalém, no Líbano e em outras partes do reino (I Reis 9:15:1-19).
E quem eram esse escravos: "Para esse trabalho forçado, Salomão usou os descendentes do povo de Canaã que os israelitas não haviam matado quando conquistaram seu país. Entre esse trabalhadores forçados estavam amorreus, heteus, perizeus, heveus e jebuseus. E os descendentes deles continuam escravos até hoje. Nenhum israelita foi obrigado a trabalhar como escravo. Os israelitas serviram como soldados, oficiais, comandantes, capitães de guerra e cavaleiros ( I Reis 9:20-22)".
 Duas consequências dessa narrativa:
1- há uma divisão no reino entre homens livres e homens sob servidão, todos subjugados pela a monarquia. A distinção entre essa classe de homens se baseia no nascimento/origem étnica e na qualidade de trabalho exercida.
2- tal divisão inverte o passado israelita de escravos no Egito: 215 anos passados em cativeiro naquele país rico e poderoso agora se confrontam com um país rico utilizando a mão de obra forçada. 




[1] Em II Crônicas 9:25 os números são os seguintes: "Salomão tinha mil cocheiras para os seus carros de guerra e para seus cavalos e também possuía doze mil cavalos de cavalaria".
[2] A cidade de Gezer possui um destaque dentro desse rol: "Faró, rei do Egito, havia atacado e conquistado a cidade de Gezer, matando seus moradores, que eram cananeus, e pondo fogo na cidade. Depois o rei do Egito tinha dado Gezer como presente de casamento à sua filha quando ela casou com Salomão, e Salomão reconstruiu a cidade ( I Reis 9:16-17)".

Análise textual VI. O pálacio

Análise textual VI. O pálacio


3.1 O Palácio
O palácio é o lugar simbólico do exercício do poder real. Como ele é construído nos informa sobre recepção, a forma como será percebido pelos outros. 
A construção do palácio entra na lista das realizações do reino de Salomão, marcado por benfeitorias e revisão das instituições públicas.  Nisso há uma antinomia entre poder laico e religioso, o entrechoque entre o Templo e o Palácio. A construção do tempo seria uma prioridade para Salomão, cumprindo os planos de seu pai David. Entre suas últimas realizações, David havia organizado o serviço do templo, começando, enumerando agentes e distribuído funções para a casta religiosa, chegando ao estrondoso número de 38 mil homens, dos quais "vinte e quatro mil deles para a administrarem o trabalho de construção do templo. Nomeou também seis mil para fazerem a escrita e resolverem os problemas que surgissem. E ainda nomeou quatro mil para serem guardas dos portões e quatro mil para louvarem o Senhor com os instrumentos que o próprio rei tinha mandado fazer para isso ( I Crônicas 23:4-5)."
Mas toda essa estrutura religiosa passa a segundo plano a partir durante o reinado de Salomão, na versão de I Reis[1]. Embora tenha levado 20 anos para construir o templo e o palácio (II Crônicas 8:1), o palácio precisou de treze para sua finalização ( I Reis 7.1), o dobro de anos necessário para construir o templo( I Reis 6:37-38). As dimensões do palácio excedem e muito as do templo:
CONSTRUÇÃO
COMPRIMENTO
LARGURA
ALTURA
Palácio[2]
44m
22m
13m
Templo[3]
27
9m
13,5
Ambos foram construídos em pedra e madeira, formando cada um complexo de salas com suas funcionalidades, objetos e decorações.

O complexo palaciano consistia de cinco prédios[4]:
1- O salão da Floresta do Líbano;
2- O Salão das Colunas
3-O Salão do trono ou Salão do Julgamento "onde Salomão julgava as questões, era forrado de cedro desde o chão até as vigas( I Reis 7:7);"
4- a casa de Salomão
5- a casa para sua esposa, a filha do rei do Egito.
Apenas o Salão do trono e da casa para a esposa parece mais imediatamente identificáveis: No Salão do trono ,Salomão realizaria as decisões de disputas judiciais, e a casa da filha do Egito seria o lugar para albergar as muitas esposas.
Entre os objetos palacianos temos:
1- trono. "Salomão mandou fazer um grande trono, revestido de marfim e de ouro puro. O trono tinha seis degraus, com a figura de um leão nas pontas de cada degrau, isto é, havia doze leões ao todo. Atrás do trono havia uma figura de cabeça de touro e no lado de cada um dos dois braços do trono havia a figura de um leão. Nunca havia existido em outro reino um trono come esse ( I Reis 10:18-20)." Entre algumas imagens possíveis desse trono, temos:









2- Escudos.  "Salomão fez duzentos grandes escudos e mandou folhear cada um com quase sete quilos de ouro. Também fez trezentos escudos menores e folheou cada um com quase dois quilos de ouro. Ele mandou colocar todos esses escudos no salão da Floresta do Líbano ( I Reis 10:16).
3- Taças. "Todas as taças que o rei Salomão usava para beber era de ouro, e todos os objetos do Salão da Floresta de Líbano era de puro ouro( I Reis 10:16). "




[1] A versão do reino de Salomão segundo II Crônicas enfatiza mais o templo.
[2] Dados em I Reis 7:1.
[3] Dados em I Reis 6:2 e II Crônicas 3:3.
[4] Corroborando as amplas dimensões do complexo palaciano, é preciso ver que para sua realização fora aterrada uma área da cidade: "Salomão aterrou o lado leste da cidade depois que a sua esposa, a filha do rei do Egito, se mudou da cidade de David para o palácio que Salomão havia construído para ela(I Reis 9:24)"

Análise Textual V : Organizando o Estado

Análise Textual V : Organizando o Estado

3. Organizando o Estado
David fora um bandoleiro, um soldado experimentado em guerrilhas. Saul governava como um líder tribal, no contexto de famílias cuja subsistência eram os animais e as plantações.  Já Salomão se aventura em algo mais complexo. Para tanto, o vínculo entre sabedoria e o casamento com a filha do Faraó parece ter sido mais que uma relação pontual de afetos e diplomacia: "Salomão fez um acordo com  Faraó, rei do Egito, casando-se com sua filha. Ele a levou para morar na Cidade de David até que acabasse a construção do seu palácio, e a construção do templo e das muralhas em volta de Jerusalém (I Reis 3:1-2). " Não apenas a filha do faraó muda-se para a capital do reino: como vemos no capítulo 4 de I Reis, temos listas de funções e servidores da casa real, formando uma organização das atividades e das instituições do Estado.
Temos duas listas: a primeira, menor, é a dos altos funcionários do reino, ou, em analogia, a dos ministros do Estado:
1- Sacerdote;
2- Escrivão (contabilidade, finanças);
3- Conselheiro do rei;
4- Comandante do exército;
5- Sacerdotes;
6- Chefe dos administradores dos distritos;
7-Conselheiro particular do rei;
8- Encarregado dos serviços do palácio;
9- Encarregado dos trabalhadores forçados.
 Primeiro, os nomes atribuídos aos cargos demonstram a adesão à autoridade de Salomão. Ou seja, os que participaram do movimento contra Adonias, o legítimo herdeiro, agora possuem suas funções no ministério, como Benaías, que é o ministro da guerra((I Reis 4.3), e Zabude, filho de Natã, este o sacerdote que apoiou Salomão. Agora seu filho é conselheiro particular do rei (I Reis 4.5).
Segundo, temos o destaque para funções diretamente ligadas ao executivo ( conselheiro do rei, conselheiro particular do rei, encarregado dos serviços do palácio) e às extensões desse poder real (Escrivões, Chefe administradores dos distritos, encarregados dos trabalhos forçados).
Ou seja, o poder é centralizado no palácio real e demanda dos seus súditos uma imensa rede de 'colaborações coercitivas': impostos.  Toda essa organização do Estado possui um custo e o programa de obras do Rei aponta para transformar o Estado é uma máquina de arrecadação de tributos e fiscalização de seus contribuintes.  São precisos muitos recursos para as obras de consolidação da monarquia e para custeio do Estado mesmo.
Nesse sentido, a segunda lista, maior, esclarece a amplitude da reorganização administrativa de Salomão: "Salomão nomeou doze homens como administradores dos distritos de Israel. Eles forneceriam alimentos dos seus distritos para o rei e seu palácio (I Reis 4:7)."
Ou seja,  o reino é dividido em regiões administrativas que não se confundem com os poderes tribais. Salomão designa pessoas de sua confiança, que apoiaram sua sucessão ao reino, para arrecadar produtos que vão sustentar o palácio e todos que trabalham para o palácio. Dessa maneira, o poder real não apenas redefine os poderes locais, como expande o monopólio real nas decisões que orientam os destinos da micro-comunidades.
Organizado Estado internamente, em termos administrativos e contábeis, a corte agora volta-se para ampliação de sua dimensão territorial e política.  O equilíbrio entre o interno e o externo é traduzindo no texto como período de paz e prosperidade: "O povo de Judá e Israel era tão numeroso como os grãos da areia da praia do mar; eles comiam, bebiam e eram muito felizes. Do reino de Salomão faziam parte todas as nações que havia desde o rio Eufrates até a terra dos filisteus e até a fronteira do Egito. Esses reinos pagavam impostos a Salomão e era dominados por ele durante toda a sua vida.(...)Todos os reis a oeste do Eufrates eram dominados por ele, e ele estava em paz com todos os países vizinhos. Durante a vida de Salomão o povo de Judá e de Israel viveu em segurança, e de uma ponta do país à outra cada família tinha seus pés de uvas e de figos (I Reis 4:20-21)."
Novamente observamos que a construção da figura de Salomão passa por decisões que corroboram os interesses de manutenção e expansão da autoridade palaciana. Senhor da vida e da morte, Salomão estabelece a si mesmo como centro do mundo, ao integrar a submissão dos súditos dentro e fora das fronteiras do reino. Todos em comum, dentro e fora do reino, enviam produtos para o Palácio, fortalecendo a casa real.  A casa real se mostra nos signos materiais de seu sucesso que não passam dos meios para manter sua centralidade.
Há um vínculo muito forte em paz, prosperidade e ausência de oposição à corte salomônica: não há dissenções internas e externas. Todos parecem estar satisfeito com a posição que ocupam na ordem em volta de Salomão. Mesmo as outras nações, que possuem seus próprios reis, o texto não mostra nenhum indício de rivalidade. No lugar disso, o texto nos informa da absurda riqueza acumulada por Salomão. Para manter uma ordem política dessas dimensões, muitos recursos econômicos seriam necessários. Mas no caso de Salomão há excesso por todos os lados, uma verdadeira idade do ouro: não só há paz e prosperidade em geral, como o  Palácio mesmo acumula itens mais que o necessário para se sustentar.

Salomão no decorrer de seu governo, após as reformas administrativas e sociais, parece inaugurar uma inesgotável maquinaria de arrecadação infinita de recursos: quanto mais ele arrecada, mais os súditos internos e externos produzem para o reino. As fontes de recursos parecem infinitas.  Disso, aquilo que antes era uma finalidade de garantir a sobrevivência da máquina do Estado transforma-se em luxo, em algo muito mais do que sua própria função: "Em Jerusalém, durante o seu reinado, a prata era tão comum como as pedras, e havia tantos cedros como as figueiras bravas que existem nas planícies de Judá (I Reis 10:27)." Assim, todos pareciam ter o suficiente enquanto a corte salomônica tinha muito mais.

Análise textual IV: o julgamento modelar

Análise textual IV: o julgamento modelar

2.1 O julgamento modelar
Após o sonho, grande parte das referências a Salomão se direcionam a construção de prédios públicos que organizam as atividades de culto, proteção e administração do reino. Por essas obras, Salomão se torna um governante reconhecido por sua sabedoria e por riqueza material, cumprindo as expectativas do sonho: ao tomar as decisões certas no exercício de sua atividade de juiz e rei, todas as demais coisas (vida longa, prosperidade e paz) seriam alcançadas.
Antes desse ritmo ascencional da narrativa, Salomão defronta-se com um caso difícil.  Duas mulheres vêm à presença do rei. Moravam na mesma casa, cada uma mãe de uma criança recém-nascida. Uma das crianças morre. As duas se apresentam como mães de uma mesma criança. Salomão deve decidir.
O texto nos mostra que havia poucos dados para se levar em conta nessa decisão: nenhum documento, nenhuma testemunha, nada além das falas das solicitantes, que querem a mesma coisa: "Somente nós duas estávamos na casa; não havia mais ninguém lá ( I Reis 3:19)". O caso era de um morte, uma das crianças havia morrido. Salomão teria de decidir com aquilo que ele tinha diante dele.
As duas mulheres não são identificadas por nome na narrativa. E, durante a discussão em frente do rei, as coisas ficam ainda mais confusas. Porém, é durante essa discussão que possivelmente Salomão pode analisar os comportamentos dessas mulheres e a relação que tem com o bebê. 
Mas o caso está na corte. É um teste também para o rei. A decisão a ser tomada ali vai reverberar no reino, como o texto nos informa "Todo o povo de Israel soube dessa decisão do rei Salomão, e aí todos sentiram um grande respeito por ele, pois viram que Deus lhe tinha dado sabedoria para julgar com justiça(I Reis 3:28)."
A resolução do caso não é baseada em nenhuma lei. Foi uma ação ousada, um risco calculado: "Então o rei Salomão disse: - Cada uma de vocês diz que a criança viva é a sua  e que a morta é da outra. Então mandou busca uma espada e, quando a trouxeram, disse: - Cortem a criança viva pelo meio e dêem metade para cada uma destas mulheres. (I Reis 4:25)."
Ora, uma criança pela metade é uma criança morta, não resolve em nada a disputa. E a ordem do rei deve ser obedecida. Aqui o rei age como o mandante das mortes de Adonias, Joabe e Simei, como senhor da vida e da morte.  E no que então Salomão foi sábio?
 Como vimos, a sabedoria de Salomão está relacionada aos negócios da cidade, a tomar decisões, a surpreender, a tomar o lugar de hegemonia antes dos outros, é saber o que é melhor para si em cada situação difícil. Havia uma morte no caso. Mas quem é o senhor da morte é o rei. Nos caso havia duas mulheres, mas quem detém o poder sobre as mulheres é o rei. As duas mulheres disputam a vida do bebê. Mas que decide sobre a vida das pessoas, sobre o que é bom ou mau é o rei. Para quem fosse o bebê, o mais importante era o rei ter decidido, ter preconizado seu poder. A cada nova decisão, o rei reafirma sua privilégio. 
As respostas da mulheres manifestam tal encontro entre a vontade de submeter o outro à sua hegemonia, e a resignação:
"A verdadeira mãe do menino, com o coração cheio de amor pelo filho, disse: - Por favor, senhor, não mate o meu filho! Entregue-o a esta mulher!
 Mas a outra disse: Podem cortá-lo em dois pedaços! Assim ele não será nem meu, nem seu! (I Reis 3:26)."
O duelo entre as duas mães clarifica o a relação entre rei e vassalos. A que cede, segue o que se espera de quem é sujeito à servir ao trono. A que indica a morte, age como o rei, repetindo seus comandos.  Em sua decisão, Salomão retoma seu papel de senhor da vida e da morte ao favorecer a que cede, pois ela está em seu lugar, em sua posição de subserviência dentro da lógica social. Não se trata aqui de saber o que houve. Pois o texto é ambíguo: duas mulheres na mesma casa, uma criança morta, por que uma das mulheres acidentalmente dormiu e sufocou o bebê. Mas qual das mulheres? De fato, a decisão favorável recaiu sobre a mulher que será a melhor mãe para a lógica social. Ela ensinará seu filho a ceder, a aceitar a autoridade do soberano.  O que se decide nesse julgamento é se o rei tem o não a prerrogativa nos acontecimentos da vida das pessoas. O rei está em tudo, nas disputas domésticas, nos acordos comerciais, no coração dos súditos. Ele é a autoridade, o ponto de referência que norteia as ações de sua comunidade. O rei não é justo: a justiça do rei é a aceitação da ordem social. O rei não é sábio: sábio é aceitar a ordem social e permanecer vivo, permanecer onde se está.

Nesse julgamento modelar percebemos também um deslocamento: o rei deixa de matar. O que importa agora é uma mudança de ênfase em relação ao seu pai David. Embora sempre vão haver mortes, após a consolidação da sucessão real, o nome de Salomão está mais associado às questões diplomáticas, às obras de beneficiamento do trono e à burocracia  que às guerras. As guerras voltam quando a partir de um dado momento há uma virada no destino de Salomão. Quanto ele atinge seu ápice, as coisas coisas a cair.  Mas, antes, Salomão caminha para se tornar o mais rico, o mais sábio, o mais bem sucedido entre os reis do planeta.

Análise textual III: A sabedoria de Salomão

Análise textual III: A sabedoria de Salomão

2. A sabedoria de Salomão.
Não é por acaso que a primeira fase de afirmação do soberano se conclua com sua elevação a um patamar sobrehumano. Senhor da vida e da morte, o jovem Salomão é alçado ao mais sábio de todos os homens por uma dádiva divina: o próprio Deus aparece a Salomão em um sonho e durante um diálogo Salomão pede, entre todas as coisas que ele poderia pedir, "dá-me sabedoria para que eu possa governar o teu povo com justiça e saber a diferença entre o bem e o mal. Se não for assim, como é que eu poderei governar este teu grande povo? (I Reis 3:9)."
Na cena do sonho, o protagonista não é Deus, e sim Salomão. Salomão consegue persuadir Deus pedindo algo que escapa do horizonte comum. No lugar de "pedir vida longa, ou riquezas, ou a morte de seus inimigos(I Reis 3: 11)", como David teria solicitado, Salomão surpreende Deus e enuncia as habilidades para seu cargo. Por meio dessas habilidades, as outras coisas serão extensivas, decorrenciais. Ou seja, Salomão é sábio pois apresenta-se como sábio. E sabedoria aqui é a construção de sua imagem, da recepção de sua figura. Esse cálculo aprendido na lógica palaciana de sobrevivência manifesta-se em um jogo de mostrar e esconder. Para Deus, que tudo sabe, Salomão apresenta-se como Deus, como um poderoso juiz que sabe discriminar o que é acessório e o que é fundamental. Ora, se Salomão é capaz de persuadir Deus, o que dirá dos outros. Essa etiologia de Salomão reforça aquilo que sua sabedoria não é algo abstrato ou ontológico: está diretamente relacionada a sua vivência na corte e ao exercício de seu cargo.
Então quando Salomão solicita sabedoria de Deus, o jovem já possui o  que pede. Na verdade o diálogo com Deus é um exercício dessa sabedoria. O sonho de Salomão é a explicitação de si mesmo. O fato de Deus ser o interlocutor apenas amplia a figura de Salomão, sua excepcionalidade, como se Deus confirmasse o que Salomão é e o que faz para ser o que ele é.
Primeiramente, há a situação intersubjetiva: Salomão demonstra sua sabedoria nas trocas, no contato entre pessoas.  Segundo: essas situações se caracterizam por riscos, por escolhas, por decisões. Deus apresenta um proposta "O que você quer que eu lhe dê? (I Reis 3:5). Terceiro: nessas situações de contato, Salomão surpreende, ao indicar ao que está entre os elementos postos diante de todos  mas que só ele é capaz de distinguir. Salomão escolhe bem, escolhe o melhor. E por que o melhor? Sabendo avaliar as melhores opções para si, Salomão poderá reforçar seu domínio.
Não é atoa que o sonho de Salomão seja precedido do ato de casar com a filha do Faraó de então. Ora, esse casamento político, essa aliança com um inimigo histórico será uma constante na carreira de Salomão. Na contabilidade final de seu reino, é informado que ele "casou com setecentas princesas e também teve trezentas concubinas (I Reis 11:3)."  Nisso ele retoma o ímpeto de seu pai, aplacado pela velhice, mas o direciona para atos de continuação e expansão do reino.
Nesse sentido a justaposição entre o casamento da filha do Faraó e o sonho de Salomão ratificam uma lógica de Estado como determinante para os atos do governante. Sabedoria é o bem agir em prol da sustentação do trono.  Nesse sentido, a biografia pessoa do rei se iguala aos seus atos de governo. Ele parece não agir para si mesmo e sim como mecanismo de um lógica maior que o indivíduo, uma engrenagem que se coloca a funcionar e não admite intervenções.  Mesmo que fosse estranho ter como aliado o Faraó e ou moralmente não válido casar com estrangeira, são decisões que se justificam em si mesmas, como atos de um líder que faz o melhor não para o povo ou para si mas para o Estado.  E para entronizar essa nova ordem todos serão sacrificados, todos os recursos serão utilizados. Não importa o bem ou o mal: o que realmente interessa é a tomada de decisão certa.

É o que ficará claro  no apólogo das duas mulheres que disputam um bebê.

Análise textual II - as mortes

Análise textual II - as mortes

1.1 As mortes iniciais
1.1.1 Adonias
Adonias vai visitar  Bateseba. Ele faz um pedido. Ele desiste de lutar pelo trono, mas em troca pede pra ficar com Abisague, a jovem mulher que aquecia David em sua cama. Bateseba vai ter com Salomão. O novo rei coloca um trono para ela ao lado do seu. Por causa desse pedido Salomão manda Benaias matar Adonias.  Adonias morreu por que queria ficar com a mulher que dormia com seu pai? Não é apenas isso. Ao pedido da mãe, Salomão responde veementemente : " Por que a senhora está pedindo Abisague para Adonias? A senhora deveria pedir que eu dê a ele também o reino. Afinal, Adonias é o meu irmão mais velho, e o sacerdote Abitar e Joabe estão do lado dele! (...) Que Deus me castigue, e em dobro, se eu não fizer Adonias pagar com a vida por ter feito este pedido! ( I Reis 2:22-23)".
Ora, o pedido de Adonias poderia o reinserir com primazia na ordem de sucessão, pois estaria casando com a mulher de seu pai David.  Adonias teria o direito na sucessão por ser o filho mais velho, após as mortes de Amon e Absalão. Mas Bateseba e o sacerdote Natã providenciaram a preferência por Salomão. Há uma instabilidade política, o entrechoque entre candidaturas com diversos níveis de legitimidade.  Ao fim, o pedido de Adonias aparece como um pretexto para ação imediata de Salomão. Adonias havia se antecipado aos demais herdeiros e à indicação do pai em virtude de seu status: filho mais velho.  Com o enfraquecimento de David, o que seria melhor para o Estado foi fabricado pelo líder religioso, Natã, e pela integrante da corte, Bateseba. Ela, com Salomão, ganha um novo papel, o de Rainha mãe. Antes, um das mulheres de David, nem a principal, com a jovem Abisague forrando o leito do velho rei. Agora, tem um lugar ao lado do filho, em um trono todo seu.
Em todo caso, a antinomia Adonias e Salomão nos coloca diante de um cenário de disputas internas palacianas, que será tônica do reino de Salomão. David se apresenta como um senhor da guerra, em um projeto expansionista, imperialista. Ele ataca os outros, enquanto modela os seus. Já Salomão é apresentado como um líder cosmopolita, que realiza empreendimentos de organização do Estado a partir do comércio com outras nações.
Mas o fundo da disputa entre os pretendentes, resumida na antinomia entre Adonias e Salomão, é o da continuidade e transformação do legado de David. Como prólogo, David é apresentado como velho, fraco, que "não conseguia se aquecer (I Reis1:1)." Segundo Brueggmann 2000:212,  a expressão se refere a "não ter uma ereção. A abertura do parágrafo é relatar a impotência sexual do rei, sua perda de virilidade e daí sua desqualificação como rei. O fim da virilidade de David, testada por 'uma jovem virgem muito bonita'{Abisague}, abre caminha para a narrativa que se segue, pois agora há uma vacância funcional no trono. Pode-se perceber a revoada de urubus em volta do trono, esperando para matar."
Assim, o pedido de Adonias, que poderia parecer pouco, uma mulher por um trono. Adonias, após a unção de Salomão, havia fugido com muito medo de ser morto. Adonias se refugiou na tenda  onde se realizam os serviços religiosos - o templo não foi construído ainda. Ele diz: "Quero que o rei Salomão jure hoje que não mandará me matar à espada (I Reis 1:51)." Ambivalentemente, Salomão responde "Se ele provar que é um homem de palavra, eu juro que nem um fio dos seus cabelos será tocado; mas se estiver com más intenções, ele morrerá (I Reis 1:52)."
Pela resposta de Salomão sabemos que Adonias não teria muitos dias de vida. David transfere para o próprio Adonias a justificativa antecipada de sua morte. Nesse momento,  há um intervalo entre as falas e as ações. De fato, as decisões são previamente tomadas e as falas não expressão aquilo que antecipadamente fora deliberado. A sincronização entre falas deliberativas e ações acontece em contexto de execução por morte. Assim, ao propor este intervalo, parece que a decisão veio depois do ato equivocado do alvo. Chave para isso é interpretar as falas como registros de decisões já tomadas a partir de transferência de culpa.
Assim temos: fala-se, enuncia-se as intenções e as decisões de ações premeditadas a partir de um discurso que projeta para a vítima a responsabilidade por sua própria eliminação; a vítima age ou diz agora que mobiliza uma ação de eliminação; em seguida, o sábio rei manda eliminar o infrator; por fim, o assassinato é realizado por um funcionário de execução.
O modelo dessa ações de constituição do poder na corte vem de David. Antes de morrer, entre seus conselhos ele pede que Salomão cumpra um programa de assassinatos pontuais: " Joabe matou homens inocentes e agora eu sou o responsável pelo que ele fez e estou sofrendo as consequências. Você sabe o que deve fazer. Não deixe que ele tenha morte natural. (...) E não esqueça de Simei (...) Você é um homem sábio e não deve deixar que ele fique sem castigo. Você sabe o que deve fazer para que ele morra. ( I Reis 2:5,8-9)."
Adonias se apressou, não negociou antecipadamente, não fez a política palaciana. À sua precipitação, temos a  elaborada rede de relações na qual Salomão parece estar ciente. O tempo de matar pode ser rápido, mas não o tempo de se envolver no mundo da corte. A sabedoria de Salomão se ergue sobre os cadáveres de suas estratégias palacianas. Salomão é o David sofisticado, nascido e crescido no maquiavelismo da corte.
1.1.2  Joabe
A morte de Joabe vincula-se, inicialmente, à ordem expressa de David. De David, Salomão recebe projetos de construção e planos políticos.  A morte de Joabe entra nesse conjunto de ações propostas para Salomão para que a imagem da casa real se redefinisse. Matar Joabe era enterrar o passado, o passado que David gostaria que fosse esquecido.
Joabe era filho de Zeruia, irmã de David, o que o faz sobrinho do rei. Foi o comandante leal das tropas de David, envolvido tanto em guerras contra outros povos/cidades, quanto em apagar problemas da corte, como no caso do morte de Urias, esposo de Bateseba, e na rebelião de Absalão, filho de David que quis tomar o reino de seu pai à força e foi morto por Joabe.  A partir de uma dado momento em sua carreira começa a questionar as ordens de David e apóia Adonias na sucessão real.
Então matar Joabe é uma necessidade para tanto para o fantasma de David quanto para a afirmação de Salomão. De fato, é preciso substituir o assassino por outro. E quem mata Joabe toma o seu lugar.
Joabe finda seus dias de modo parecido com Adonias. Joabe se esconde na tenda que onde está o altar pois estava com medo de Salomão.  Salomão destaca Benaias para matar Joabe. Eis o irônico desenlace:
 "Benaias foi até a tenda de Deus e disse a Joabe:
 - O rei mandou você sair daí. - Não saio - respondeu Joabe. - Eu morrerei aqui.
Então Benaias voltou e conto ao rei o que Joabe tinha dito.
Aí Salomão ordenou:
- Faça o que ele disse. Mate  e sepulte-o. Assim nem eu nem os descendentes do meu pai seremos mais considerados culpados pelo que Joabe fez quando matou homens inocentes(I Reis 2:30-31).
Assim, nem Benaias nem Salomão são imputáveis de um crime: a morte de Joabe é responsabilidade dele mesmo.
Novamente a questão da palavra: tanto Adonias quanto Joabe encontram um fim violento de suas vidas a partir daquilo que proferem. Salomão aparece como um intérprete, um cabal decifrador de discursos. Ou melhor, ele mobiliza frases de um contexto para outro, resignificando-as, propondo um jogo hermeneutico onde na verdade não há ambivalência. Com isso, ele mesmo se transforma em intérprete e juiz.
1.1.3 Simei
A morte de Simei, também previamente encomendada por David, singulariza um dos aspectos cruciais dessas mortes todas: servir de mensagem, de propaganda da nova ordem, ou da transformação na orientação da ordem davídica.  Simei descendia do antigo rei deposto Saul. David havia exterminado a linhagem de Saul, mas preservou este descendente como um trofeú. Simei apontara publicamente as mentiras de David, o seu lado oculto (II Samuel 16:5-14). Isso feito durante a revolta de Absalão, a maior crise política e pessoal de David.  Como seu pai, Salomão preserva Simei por um tempo, restringindo seus movimentos "Faça uma casa para você aqui em Jerusalém. Fique morando nela e não saia da cidade. E fique sabendo que , no dia em que você sair e atravessar a o ribeirão Cedrom, você será morto, e a culpa será somente sua (I Reis 2:36-37)."
Esta última morte dentro do percurso inicial de autoafirmação do jovem soberano demonstra os laços estreitos entre o sanguinário David e o sábio Salomão. Embora a forma base do nome de Salomão se refira a 'paz', 'união'[1],seus primeiros atos manifestam expurgos típicos de uma sucessão que se fortalece por expurgos pontuais.  Simei vincula-se a uma oposição à ordem vigente, uma oposição que brada e se torna pública, conhecida. David não o matou imediatamente, frente à revolta de Absalão, pois seria um erro dar audiovisibilidade à oposição naquele momento - lembrar que Simei havia pronunciado acusações e maldições ao rei e jogado pedras em David e em seus homens ( II Samuel 12:5-6)".
Após a morte de Absalão, Simei vai atrás do rei e pede perdão. David contém a fúria assassina de Joabe e seu irmão Abissai. E promete para Simei: "Eu juro que você não será morto (2 Samuel 19:23)." A mesma boca que pronuncia essa promessa depois demandará de seu sucessor a morte de seu oponente. As vidas das pessoas ficam nas mãos dos soberanos, que delas se desfazem quando for necessário e conveniente. Simei é um sobrevivente, alguém com uma sentença de morte sobre sua cabeça. O assassinato do rebelde reforça o poder do rei em superar mesmo as fronteiras da morte. De outro lado, mostra como as palavras e as ações não se sincronizam, possibilitando a construção de jogos, de uma retórica da atuação de Salomão: ele afasta de si o ato sanguinário, propõe uma norma que será quebrada pela vítima potencial, e a pena é aplicada pelo agente do Estado encarregado de punir com violência os desvios dos súditos.  Em todo caso, Simei reafirma a lógica palaciana de Salomão tanto ao viver, quanto ao morrer.



[1] V. http://www.abarim-publications.com/Meaning/Solomon.html#.V1Aui5MrIUE .

Análise textual I- A sucessão real

Análise textual I-  A sucessão real


Para elaborar o roteiro de base do espetáculo, parti para uma análise detida do texto principal em que se encontra a narrativa sobre Salomão. Há dois textos básicos: I Reis 1 - 11 e II Crônicas 1-9. Para os pouco familiares com o texto bíblico, temos o seguinte: A bíblia é divida em duas partes: o velho testamento, e o novo testamento. Nossa história é do tempo do velho testamento, que significa o que aconteceu com os israelitas antes do nascimento de Cristo. O livro de Reis apresenta os antigos monarcas de Israel. Segundo teoria de I. Finkestein as narrativas em torno desses monarcas seriam construções posteriores a partir de narrativas de outro impérios como o egípicio, o sírio e o babilônico. I. Finkestein baseia sua teoria em dados arqueológicos. Segundo estes dados, não haveria condições materiais para haver um reino da extensão e poderia narrados no texto bíblico. Na época, há apenas acampamentos junto às montanhas. Esta teoria libera o leitor de tentar seguir veracidade histórica e o impulsiona a se concentrar na narrativa e em sua construção, no que ela procura celebrar. 
Voltando para o texto então, I Reis 1- 11, significa que há o relato sobre os monarcas de Israel foi dividido em dois livros. E cada livro dividido em Capítulos.  Assim, a história principal que seguimos está no primeiro livro de Reis entre os captítulos primeiro e décimo terceiro.
Esta história é duplica no segundo livro de Crônicas, nos capítulos de 1 a 9. Para cita os detalhes usamos o seguinte expediente: livro, captítulo, versículo. Assim fica fácil encontrar o que queremos ler. 
Estou me valendo da edição Nova Tradução na Linguagem de Hoje, (NTLH) da Sociedade Bíblica do Brasil, 2000. Quem quiser ler online tem o site: http://www.sbb.org.br/ . 


1- Da guerra para a paz por meio da guerra

Em I Reis vemos de início a sucessão de David. Há uma ambiguidade nas fontes.
II Samuel acaba por quase glorificar David. Não há informação sobre sua morte e sucessão. Penas se fala das últimas palavras do rei, que reforçam uma aliança com deus e luta contra os outros povos.

Já I Reis abre com a instabilidade na sucessão: Adonias, o filho mais velho de David, se autoproclama o novo rei, arvorando-se como um novo Absalão, o preferido na sucessão. Daí entre em cena uma famosa ex-mulher de David: Bateseba, mulher do oficial de David, Urias,  que teve um caso com o rei. Aliás, David teve muitos filhos com diversas mulheres. A lista está em I Crônicas 3:1-8. Com Bateseba teve quatro. Entre eles, Salomão.  Bateseba entra na história para reivindicar uma promessa de David: que seu filho Salomão iria sucedê-lo no trono (I Reis 1:11-53).
Mas em outra versão, a de I Crônicas, a sucessão real é sem traumas: David convoca uma reunião com todas as autoridades do país e apresenta Salomão como seu sucessor. Argumenta que não vai construir o templo pois é um homem com as mãos sujas de sangue. No lugar de um soldado, o povo vai ser governado agora por um legislador e administrador. Da paz para a guerra. Nessa assembléia, David entrega para Salomão as plantas de todos os prédios que deveriam ser construídos: o templo, os depósitos, salas, palácios, etc. E também entrega um plano de organização do serviço religioso. Assim, Salomão seria um encarregado de fazer cumprir essa herança administrativa, seria o capataz de David. David morto, Salomão como um cumpridor das tarefas que o pai lhe atribuiu. David afirma que seu filho é ainda jovem e sem experiência ( I Crônicas 29:2.)
Essa outra versão é pró-David, e mostra uma etapa pacífica na manutenção da linhagem de David, que ainda permanece como figura tutelar da casa real.
Já em Reis I o primeiro episódio de Salomão é o luta pela sucessão do trono, como o foco em sua mãe. Como em Crônicas, Salomão é jovem, e não ocupa uma posição central. Mas começa envolvido em uma série de ações discutíveis. Ele é ungido como rei por alguns emissários de David, entre eles Benaias, que vai se tornar chefe da guarda de Salomão. A primeira missão de Benaias é depois se livrar da oposição, matando justamente Adonias. Essa limpeza da oposição entre os pretendentes aos trono, como David o fizera, matando os descendentes de Saul, destoa um pouco da imagem do rei pacífico que o texto de Crônicas procura construir. Salomão é mostrado como uma nova etapa, um desenvolvimento da casa davídica, mas se vale dos mesmo métodos. Benaias é o Joabe de Salomão. Os primeiros passos do governo de Salomão são uma série de assassinatos: o jovem rei manda matar Adonias, Simei e Joabe, antigo capitão de David. Depois dessas mortes relatadas (pode ter havido outras...), desses expurgos, o texto afirma "E assim Salomão controlou  completamente a situação de seu governo (I Reis 1:46)."
Em parte essas morte foram ordenadas por David em seu leito de morte, como últimos conselhos a seus filho (I Reis 2:1-9). Mas, no seguir da narrativa, vemos que são ações de um programa maquiavélico de governo.
Uma característica dessas mortes relatadas é o modo como elas são produzidas. Mesmo que haja uma finalidade puramente estratégica nesses expurgos, um objetivo político definido, elas possuem uma dramaturgia bem delineada:
a- Benaias é a mão que mata;
b- Salomão se apresenta como o mandatário, mas envolvido em falas irônicas, que transferem para a própria vítima a culpa de sua morte;
c- as vítimas não passam em testes que poderiam alterar um destino fatal já previamente indicado.

Assim, há uma dualidade: o rei tira sobre si a responsabilidade das ações ao atribuir às vítimas e ao executor as ações ligadas a execução, ao mesmo tempo que aparece como alguém justo, que propôs algo que não foi aceito pela vítima. Simei, Joabe e Adonias são variações dessas táticas de autoafirmação de Salomão que de uma lado reforça sua imagem como alguém envolvido em discursos inteligentes e não ações sanguinárias, mas que por outro é tão terrível quanto seu pai.

INÍCIOS

Olá, bem vindo, bem vindos. Este é o blog de acompanhamento do processo criativo de Salomônicas.
Vou postando materiais que integram a elaboração do roteiro e das demais atividades em tornos do projeto.
abs

Marcus Mota